Há alguns dias houve uma formatura de jornalismo da PUCRS, uma das grandes amigas da minha irmã estava nessa turma, Michelle Nascimento, e, junto de Daniel Quadros, fizeram um discursos arrebatador que fez com que minha irmã se tocasse e pedisse que eu fosse assistir assim que chegou em casa.
Realmente, aquele discurso me tocou, assim como eu sei que tocará vocês. A Mi gentilmente me compartilhou o texto e agora eu passo a vocês.
Leiam com atenção e coração aberto.
“Me disseram que a essência do jornalismo é contar histórias. Isso mesmo, contar histórias. E eu realmente acredito nessa definição. Podemos perceber isso com o tempo. Desde João do Rio, que em primeiro de junho de 1899, com 17 anos incompletos, teve seu primeiro texto publicado no jornal O Tribunal. Desde que o Golpe Militar no Brasil, em 1964, corrompeu jornalistas, a mídia e a imprensa que silenciaram os horrores da censura e da tortura. Desde que documentos históricos que serviriam como provas para o período da escravidão foram queimados por ordem de Ruy Barbosa. O Primeiro ministro da Fazenda na época da proclamação da República, em 1890, como tentativa de transformar a dor de gerações, em cinzas. Assim como os seus antecedentes e os que vieram depois dele, até os dias de hoje, a história é sempre contada por quem conta.
Mas uma história por si só tem muitos lados, aspectos e implicações. Martin Luther King Júnior tinha um sonho: que seus filhos vivessem um dia em uma nação onde não seriam julgados pela cor de sua pele, mas pelo teor de seu caráter. Elisa Leonida Zamfirescu quis ser engenheira, e mal sabia ela que no ano de 1973, aos 86 anos, seria umas das primeiras mulheres no mundo a realizar tal feito. Assim como Kathrine Switzer, que no ano de 1967, foi a primeira mulher a participar da famosa Maratona de Boston, enquanto outros membros da organização do evento corriam atrás dela para tentar impedi-la. E tem mais: Harvey Milk, representante distrital de São Francisco, foi o primeiro homem gay assumido a vencer uma eleição nos Estados Unidos, mesmo quando isso não era tão falado, em 1977. E assim como ele, Alan Turing, o matemático e cientista que foi um dos responsáveis pela formalização do conceito de algoritmo, a base da teoria da computação, por volta de 1926, também era gay. Mesmos os mais INVISIBILIZADOS, como as pessoas com deficiência, contaram histórias diferentes. Maria da Penha, mãe de três, levou um tiro de espingarda de seu marido e ficou paraplégica, em 1983. Ao voltar para casa, foi agredida pelo companheiro, que tentou eletrocutá-la no chuveiro. Ela dedicou quase vinte anos de sua vida para que sua história fosse contada da forma correta e não se repetisse, desejando que outras mulheres não passassem por violências em seus lares.
Essas eram as histórias que elas e eles queriam contar à uma nação de pessoas que acreditavam em um futuro melhor, um futuro diferente, um futuro onde cabem todos nós. A gente aqui em cima deste palco, vocês aí na plateia, e todos ao qual o Brasil pertence, e para além dos seus muros e fronteiras.
Mas esse discurso não era sobre jornalismo?
Bem, aí que tá. Jornalismo não é sobre segurar um microfone e brilhar nas televisões, estar no foco dos holofotes ou ter uma coluna social no jornal mais lido da cidade. Não é só isso, pelo menos. Na verdade, isso é o que ele menos é. Ou talvez nem seja.
O jornalismo é sobre a sociedade como um todo, está imerso nela, não fica acima, nem abaixo, mas no reflexo de suas ideologias e valores, crenças e bagagens, motivações e reivindicações. Passamos pelo menos quatro anos na universidade aprendendo sobre a
importância da dedicação do jornalista para transmitir a realidade; a responsabilidade social da profissão para com o público, assim como a sua integridade; o respeito ao interesse público, interesse do público, aos valores universais e à diversidade de culturas; a eliminação da guerra e de outros grandes males que confrontam a humanidade; além da promoção de uma nova ordem mundial, onde o acesso à informação e a comunicação sejam prioridades.
Por isso, apesar de não ser necessário, nós vamos explicar de novo. É nosso
dever, como interlocutores, combater a disseminação de notícias falsas, que na verdade, não são notícias. Defender a democracia, o direito à vida e os direitos humanos. Principalmente quando o nosso atual presidente é contra a atuação de jornalistas, os DESMORALIZANDO com críticas e ataques à liberdade de expressão. Um governo da sequência após um golpe na presidência e uma eleição sustentada por mentiras, em uma batalha a qual o jornalismo QUASE perdeu, o nosso valor se prova cada vez mais necessário.
Hoje estamos nos formando. Mas outra questão importante é que as próximas gerações de jornalistas dependem da atuação das autoridades na defesa de um ensino de qualidade e acessível para todos. No Brasil, as salas de aula estão sendo ameaçadas pelo atual governo do país, que indica cortes de verbas, restrição de bolsas e bloqueios de orçamentos para universidades federais. Em regressos como este, devemos estar ainda mais preparados para amparar uma nação que tem a sua educação comprometida.
Ao sairmos daqui hoje, o mundo lá fora conta com a gente. As minorias em representatividade, mais do que todos, precisam de nós. Inclusive, é engraçado, pra não dizer confuso, ser chamado de minoria, né? Em um país onde 54% da população é negra ou parda, 51% são mulheres, 45 milhões são pessoas com deficiência e pelo menos vinte e duas milhões de pessoas se assumem como LGBTQIs, isso deveria, no mínimo, ser repensado.
É hora de sermos protagonistas das nossas histórias, mas de também assumirmos nossos privilégios. Entre 37 formandos, somos apenas quatro alunos negros. E nos desculpem se falamos demais sobre isso, mas é que negros, são negros todos os dias, perseguidos nos estabelecimentos e impedidos de acessar aquele lugar legal que você gosta de frequentar. E se isso te incomoda, então a gente cumpriu o nosso papel de representar toda essa turma de graduandos que escolheu nos colocar aqui para contar isso à todos vocês.
Enquanto ao olhar para o lado vocês não enxergarem outros negros, pardos e pessoas de todas as cores e origens, mulheres, LGBTQIs, pessoas com deficiências, gordos, magros, e todas as formas de ser em cargos de liderança, nas universidades, na mídia, e onde elas quiserem estar, nós vamos continuar falando.
Então, por favor, nos ajudem a não precisar contar mais essa antiga história.
Se não nós, jornalistas, quem irá reescrever a história do país que mais mata LGBTQIs no mundo?
De qual lado da história você está quando o número de casos de feminicídio aumenta 76% no primeiro trimestre de 2019, no Brasil?
Que personagem é você nessa história que marca os privilégios de uma
sociedade preconceituosa, conservadora e moralista?
O que você diz sobre a história que é escrita quando 64% dos desempregados e presidiários no Brasil são negros? Quando os 54% da nossa população que é formada por negros, são dizimados, sendo que 7 em cada 10 dos homicídios no Brasil, também são com negros e negras? É o caso do Evaldo Rosa dos Santos, cujo carro foi alvejado com 83 tiros em Guadalupe, na zona norte do Rio de Janeiro. E tem mais: quem mandou matar Marielle?
Ao fim dessa fala, novos profissionais tomam seus postos no vasto mercado que é o jornalismo e a comunicação. Essas meninas e meninos encarando vocês aqui em cima deste palco já estão mudando o mundo, e a história dele.
Cabe a você, caro aliado que está aí atento, decidir se vem com a gente, reescrever a história, ou se continuará contando as mesmas de sempre. A gente já tomou a nossa decisão. Em defesa do jornalismo, da liberdade de expressão, da pluralidade, da educação, e de um Brasil que pertença aos seus, de fato.
Hoje é o fim de um ciclo, e o início de todo o restante de novas vidas. E a gente se encontra por aí, nas nossas novas histórias.
E como dizia Nelson Mandela: A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.
E nós acreditarmos que essa arma deveria ser a única empunhada pela nossa população, e acima de tudo, não deveria ser um privilégio de poucos!
Vamos avante! Obrigado!”
Arrepiou aí também?
Michele Nascimento (@micheleenasc) & Daniel Quadros (@eudanielquadros)